Para contar
desde o começo essa história do sítio de onde Lula se autodespejou, eu preciso
começar por seu personagem mais estranho - Fernando Bittar. Ele é dono de um local
aprazível onde não chegava telefonia celular. A propriedade precisava de
cuidados e reformas para cuja execução não dispunha de renda suficiente. Mas
não se deixou abater por isso.
Disposto a
transformar o Santa Bárbara num pequeno paraíso serrano, para onde nunca ia nem
iria, o remediado Bittar, em vez de pedir orçamento para três empreiteiros e
escolher o de menor preço, como faríamos nós, perguntou a seus universitários
botões: qual é a maior empreiteira do país, universitários? E os botões, em
coro lhe responderam: a Odebrecht. Não havendo discordância entre os
informantes, Fernando decide. Que seja a Odebrecht.
A poderosa
construtora de hidroelétricas, portos e rodovias, despacha engenheiros para
Atibaia. E a obra foi feita, ficando pronta bem antes da Linha 6 do metrô de
São Paulo. Mas faltavam detalhes. Se alguma vez na vida você tentou falar com
empresa de telefonia celular por telefone, deve saber o quanto isso é difícil.
Imagine, então, conseguir dela a instalação de uma torre, só para você, em meio
aos matagais e matacões de despovoada serra. Impossível? Não ao Fernando. Ele
ligou para a OI e conseguiu sua torre. Também a velha cozinha não estava legal.
Era preciso melhorar aquela parte da casa. Para a impressionante e complexa
tarefa, nosso herói chamou outra grande empreiteira, a OAS, terceira no ranking
das maiores do país.
Agora, pasmem. Quando
tudo ficou pronto, num lance de fazer inveja a João Pedro Stédile, o
ex-presidente Lula irrompe no Santa Bárbara, sem foices nem bandeiras
vermelhas, com aquela entourage que a
nação lhe disponibiliza vitaliciamente para que nunca mais na vida necessite ir
até a adega buscar uma garrafa. E de tudo, a partir daí, usou e abusou em 111
visitas até seu autodespejo.
Gostaria de
haver assistido aquela alvorada de uma nova consciência na alma de Lula. Só
pode ter sido algo assim. Veja se não. Ele acordou, esfregou os olhos,
contemplou assustado seu entorno, sacudiu a galega até despertá-la e disparou:
"O que estamos fazendo aqui, mulher? Não me chamo Fernando e não moro em
Atibaia! Vamos embora deste lugar!". E se foram para nunca mais voltar.
Nem Luiz Inácio,
nem Fernando. Só alguns milhares de garrafas de vinhos finos, se não
resgatadas, dormem serenas na fria encosta da Serra do Itapetinga.
________________________________* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.